Qual a importância da atenção em contexto de trabalho?
Nesta série de quatro entrevistas, conversei com profissionais de diferentes áreas para descobrir como a atenção ao detalhe, o foco e a gestão de distrações impactam a sua atividade.
O objetivo é obter uma visão multifacetada sobre a importância da atenção no trabalho e inspirar profissionais de diversas áreas a refletirem sobre as suas próprias práticas.
O entrevistado de hoje é o escritor Pedro Almeida Maia.
Fotografia de Pedro Almeida Maia, autoria de Duarte Jorge Sousa
Tive a sorte de conhecer o Pedro num projeto para um cliente. Na altura percebemos que as coincidências nos nossos percursos eram várias: não só tínhamos feito o Mestrado na mesma Universidade (por isso tínhamos vivido na mesma cidade), como tínhamos escolhido o mesmo programa internacional (por isso tínhamos ambos passado uma temporada fora), como ainda tínhamos em comum a paixão pela escrita (e o Pedro, com vários livros publicados, já me levava uns bons anos de avanço).
Desde então, muitas conversas (e alguns projetos) depois, o Pedro tornou-se um querido amigo, que incluí na página de agradecimentos do meu livro porque foi das primeiras pessoas a quem confidenciei a vontade de o escrever, e cujas sugestões muito me ajudaram a concretizá-la.
Sem mais demoras, aqui está a minha entrevista com o Pedro Almeida Maia:
Qual o papel que a atenção desempenha no teu trabalho?
A atenção é essencial a todo o meu trabalho, não só para captar pormenores importantes da vida real, mas sobretudo para compreender as emoções e motivações das pessoas que me rodeiam e, consequentemente, evidenciá-las nas atitudes das personagens.
Escrever é, primeiramente, observação. Esta sintonia com o mundo ajuda-me a enriquecer as histórias e a criar contextos credíveis, profundos, ao invés de serem meramente uma reprodução superficial do quotidiano.
Ajuda também a separar o essencial do acessório. Sinto necessidade de manter o foco naquilo que realmente serve a mensagem que pretendo transmitir, evitando perder-me em divagações que, embora interessantes, possam não acrescentar nada à narrativa.
A própria escolha dos temas sobre os quais escrevo resulta de uma espécie de filtro que se aplica à enorme quantidade de informação que está sempre a intrometer-se, tal ruído de fundo irritante.
Podes dar-me um exemplo de uma aprendizagem ou descoberta que tenhas feito por teres prestado especial atenção a um detalhe ou aspecto da tua atividade?
Em pesquisas exaustivas que costumo realizar para a escrita dos meus romances, por exemplo, em artigos de jornal, muitas vezes encontro informação quase escondida em parágrafos finais, que passaria despercebida se não estivesse totalmente focado. Graças a isso, quase sempre encontro ingredientes deliciosos para enriquecer o texto. No romance A Escrava Açoriana, consegui descrever com alguma minúcia a cidade do Rio de Janeiro em finais do século XIX depois de ter interpretado mapas antigos extremamente complexos e desproporcionados.
Fotografia de Pedro Almeida Maia
Que práticas utilizas no dia-a-dia para manter o foco no que é mais importante?
No dia-a-dia, mantenho algumas práticas que me ajudam a centrar a atenção e a criar um ambiente propício para a escrita. Uma delas é recorrer aos blocos de tempo dedicados à criação: neste tempo, desligo notificações e evito distrações digitais, para poder concentrar-me exclusivamente no texto.
Quando necessito de inspiração adicional, procuro lugares onde possa simplesmente observar, ou abro um livro e leio. Pode ser um livro qualquer, muitas vezes poesia. Também registo ideias que surgem espontaneamente, para depois organizá-las no momento da escrita.
Fotografia de Pedro Almeida Maia
Mais recentemente, tenho aliado a atividade física ao contacto com a natureza. Inicialmente parecia uma perda de tempo, mas essa simples mudança passou a dilatar os meus dias, pelo bem-estar físico e psicológico daí gerado.
No entanto, quando se escreve um romance, os prazos alongam-se, tornando-se desafiante manter a disciplina e o ritmo da escrita. Quanto mais tempo temos, mais utilizamos. Por exemplo, levei cinco anos a escrever A Força das Sentenças, e até é um livro bastante curto. Para o terminar foi necessário tê-lo na lista de projetos a decorrer durante aquele tempo todo, revisitá-lo com regularidade e persistir, persistir, persistir. Felizmente, o resultado valeu um prémio literário, portanto, valeu a pena a perseverança.
Fotografia de Pedro Almeida Maia, autoria de Duarte Jorge Sousa
Na tua área, a que gostarias que as pessoas prestassem mais atenção?
Na escrita, mas também na psicologia do trabalho e na vida em geral, creio que é importante prestarmos atenção profunda às experiências, em vez de nos deixarmos levar pela velocidade e pela superficialidade que tomaram conta dos nossos dias. Precisamos de mais calma, de uma verdadeira serenidade. Precisamos de mais silêncios. Só assim valorizaremos o tempo da observação, o espaço entre as palavras. O que não é dito também interessa. Isso certamente enriqueceria o diálogo e a compreensão.
Também seria importante prestarmos mais atenção ao que as pessoas mais próximas nos dizem. Lidamos com tanto lixo visual, auditivo e informativo que se torna impreterível estarmos verdadeiramente presentes e a praticar a escuta ativa com quem mais tempo passamos, sobretudo com os nossos filhos.
Agradeço ao Pedro pelas reflexões que esta conversa inspirou e destaco quatro grandes ideias para memória futura:
A atenção, não só como instrumento da observação, mas também como mecanismo de seleção que permite “separar o essencial do acessório”.
A importância de estar desperto para todos os detalhes, mesmo os que tendem a passar despercebidos, para alimentar a criatividade.
Ainda que possam parecer uma perda de tempo, as pausas para fazer exercício físico em contacto com a natureza geram uma sensação de expansão dos dias.
Precisamos de silêncio, calma, serenidade e profundidade na forma como prestamos atenção às experiências para sermos capazes de ouvir “o espaço entre as palavras”.
Esta é a última edição de “Histórias de Atenção”, uma série de quatro entrevistas sobre a importância da atenção em contexto de trabalho.
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Na senda das anteriores, mais uma interessante entrevista e um ótimo conjunto de ideias a destacar. 👏