Qual a importância da atenção em contexto de trabalho?
Nesta série de quatro entrevistas, conversei com profissionais de diferentes áreas para descobrir como a atenção ao detalhe, o foco e a gestão de distrações impactam a sua atividade.
O objetivo é obter uma visão multifacetada sobre a importância da atenção no trabalho e inspirar profissionais de diversas áreas a refletirem sobre as suas próprias práticas.
A entrevistada de hoje é a artista Graça Paz. Formada em Design de Moda, viria a encontrar na intersecção entre a pintura e a arte têxtil o seu modo de expressão primordial.
Fonte da fotografia: Graça Paz
A sua obra constrói-se a partir da observação do dia-a-dia e das reflexões que regista nos seus cadernos, seja sob a forma de desenhos ou de palavras.
Os títulos que atribui às suas peças e coleções trazem consigo mensagens que convidam à introspecção. Talvez por isso, mas também pela seleção de cores que desafia a sair do óbvio, sinto que é possível manter uma longa conversa com os seus quadros.
Peça da coleção “Focus on your Breath”. Autoria de Graça Paz
Quando a convidei para este projeto, aceitou imediatamente, e no meio de um período particularmente desafiante conseguiu encontrar tempo para me responder, o que não posso deixar de agradecer, em meu nome, e em nome de quem aqui encontrar inspiração para o seu próprio trabalho.
Sem mais demoras, aqui está a minha entrevista com a Graça Paz:
Qual o papel que a atenção desempenha no seu trabalho?
Na verdade, a atenção tem sido uma das grandes áreas de estudo e dedicação do meu desenvolvimento pessoal. Nas minhas pesquisas, leituras… Quem fala de atenção, fala de sentido de presença. Como diz a Eleanor Roosevelt: "Foca-te na tarefa em mãos".
Mas a atenção começa, no meu caso, horas antes de começar a trabalhar. Quando me deito, como que numa preparação para o dia seguinte, eu presto atenção a todas as coisas que fui fazendo ao longo do dia e aos sentimentos e emoções que daí advêm. O que poderia ter feito de forma diferente e melhor.
A seguir, no momento em que acordo e vou ao terraço ver o mar e sentir a brisa fresca da manhã, eu quero estar atenta… Atenta àquele momento, à vista, à vida que já se vive lá fora muito antes de eu acordar. Esses momentos dão o tom para o meu dia.
É fácil? NÃO!! No meu modo “automático” vivo muito no futuro, mas vou estando melhor a cada ano. Não posso dizer que haja uma separação, no meu caso, entre a minha vida pessoal e o meu trabalho neste assunto. Mas no momento em que entro no atelier, que não é de todo quando começa o meu dia de trabalho, a atenção desenvolveu-se de formas bem interessantes.
Fotografia do atelier. Fonte: Graça Paz
Pode dar-me um exemplo de uma aprendizagem ou descoberta que tenha feito por ter prestado especial atenção a um detalhe ou aspecto da sua atividade?
Sendo o meu negócio composto por diversas áreas, perceber que precisava de manter o foco naquela que era a minha prioridade foi uma mudança fundamental na minha forma de trabalhar.
Passei para a minha primeira hora a prática da minha prioridade, pintar. Tudo na vida de um artista parece querer atropelar essa prática, que é no fundo o alicerce que segura tudo o resto, e por ter precisamente a minha atenção muitas vezes “all over the place”, espalhada pelas diferentes áreas que requerem o meu cuidado, coisas que são na verdade mais importantes ficam soterradas debaixo de um estado de inquietude.
Esta foi uma mudança fundamental, que me trouxe paz, foco, produtividade e limites.
Que práticas utiliza no dia-a-dia para manter o foco no que é mais importante?
Fonte da fotografia: Graça Paz
Divido o meu tempo de atelier em blocos de uma hora. Para isso, comprei uma ampulheta que me dá um sentir do tempo mais espaçado e não me incomoda com alarmes. Se vou pintar, viro-a, e de vez em quando deito um olho e vejo que a areia ainda corre e respiro. Quando essa hora termina, se preciso de mais tempo nessa tarefa volto a virar; se não, marco mais uma hora noutro tipo de tarefa.
Hoje, por exemplo, queria emoldurar várias obras e marquei uma hora. Esta prática ajuda-me também a estar mais atenta a quanto tempo demoro a fazer uma determinada coisa. É um método arcaico num mundo digitalizado que me trouxe um certo equilíbrio.
Na sua área, a que gostaria que as pessoas prestassem mais atenção?
Na minha experiência como artista, penso que agora, mais do que nunca, é premente prestar atenção ao equilíbrio, trabalho, pausa, lazer, autocuidado.
É muito fácil na exigência da vida quotidiana rapidamente entrar em desequilíbrio, sobretudo se se for profissional liberal como eu, em que o sentimento de incerteza é maior, e é fácil, se não mesmo quase automático, que todas as áreas se fundam num todo que não tem limites.
Fechar o atelier não significa que deixe de exercer uma qualquer tarefa em prol do meu trabalho. Ela continua muitas vezes à noite e ao fim-de-semana. Daí que aprendi, à custa de um burnout, a prestar atenção aos sinais do corpo que me dizem que está na hora de fazer uma pausa. Acho que o mundo em geral busca esse equilíbrio. O sentido de urgência apropriou-se de nós! Quando se é apaixonado por aquilo que se faz o perigo é maior ainda.
Obra da autoria de Graça Paz.
Agradeço à Graça pelas reflexões que esta conversa inspirou e destaco quatro grandes ideias para memória futura:
Prestar atenção à vida interior e à vida que acontece lá fora pode ser um ritual de preparação para entrar no trabalho.
Começar pelo que é prioritário é fundamental para não deixar que as coisas importantes fiquem “soterradas debaixo de um estado de inquietude” (que bonita esta frase).
Usar um método analógico para dividir o trabalho em blocos de tempo pode ajudar a reduzir as interrupções.
Trabalhar no que se gosta (especialmente como profissional liberal) pode dificultar o estabelecimento de limites e a procura de equilíbrio.
Esta é a segunda edição de “Histórias de Atenção”, uma série de quatro entrevistas sobre a importância da atenção em contexto de trabalho. Clica aqui para ler a edição anterior.
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Que bela ideia, este conjunto de entrevista que decidiste fazer, Ana :). Ainda por cima a pessoas de áreas profissionais diversificadas! Tanto a primeira como a segunda são muito interessantes e não tenho dúvidas que as próximas também irão ser.