Qual a importância da atenção em contexto de trabalho?
Nesta série de quatro entrevistas, conversei com profissionais de diferentes áreas para descobrir como a atenção ao detalhe, o foco e a gestão de distrações impactam a sua atividade.
O objetivo é obter uma visão multifacetada sobre a importância da atenção no trabalho e inspirar profissionais de diversas áreas a refletirem sobre as suas próprias práticas.
O primeiro entrevistado é Hamilton Reis, enólogo de formação mas também por vocação, descoberta aos sete anos por “desatenção” do pai.
Fonte da fotografia: Natus Vini
Em 2022 fez chegar ao mercado os primeiros vinhos produzidos em nome próprio (ou, mais precisamente, com a marca do seu projeto de família, Natus Vini), depois de 14 anos como Diretor de Enologia em Cortes de Cima.
Além de produzir vinhos que enchem a sala e criam memórias, o Hamilton tem uma curiosidade inesgotável e é um exímio contador de histórias. Conhecemo-nos em provas organizadas na garrafeira Wines 9297, a última das quais em outubro, e desde então andei a ganhar coragem para o convidar para este projeto.
Não só aceitou imediatamente, como partilhou a sua perspetiva com uma generosidade que me parece incomum. Depois de falarmos, fiquei com várias ideias a fervilhar - veremos o que o futuro traz!
Sem mais demoras, aqui está a minha entrevista com o Hamilton Reis:
Qual o papel que a atenção desempenha no seu trabalho?
A qualidade de um vinho, na minha opinião, é composta por uma série de pequenos detalhes. Para colocar no produto final a qualidade que desejamos, é necessário fazer um estudo pormenorizado, entender cada etapa do processo, desde o momento em que estamos a plantar uma vinha. Esse estudo, por sua vez, implica saber o que queremos fazer, e só com momentos de foco, de parar para pensar, é que conseguimos sabê-lo.
No nosso projeto, meu e da Susana, tudo teve que ser pensado, todos os detalhes tiveram que ser estudados. Houve um desenho, um estudo prévio do que seria a adega e a casa. Quando nos sentámos com o arquitecto, já sabíamos exatamente o que queríamos, e isso só foi possível por exercermos pensamento crítico.
Fonte da fotografia: Natus Vini
Claro que também é um processo que implica tentativa e erro, mas aí também entra a atenção para perceber que o pensamento inicial que tivemos não se concretiza na prática como pensávamos. Se não soubermos porque é que tivemos aquele pensamento e qual era o resultado a que queríamos chegar, também não vamos conseguir tirar conclusões e analisar as componentes do processo que podem ter falhado. Até para identificar os erros temos que estar atentos.
Pode dar-me um exemplo de uma aprendizagem ou descoberta que tenha feito por ter prestado especial atenção a um detalhe ou aspecto da sua atividade?
A génese do nosso vinho é um bom exemplo. No dia em que fui a Portalegre comprar as talhas, era necessário entender se estavam saudáveis, se não tinham fugas, se não estavam estaladas… Até porque eram usadas e representavam um investimento considerável.
A melhor forma de perceber se estavam capazes era, na minha opinião, testar o produto - provar o vinho que tinham feito. Perguntei se havia vinho disponível e provei-o, tentando pôr foco sobre a qualidade das talhas, mas ao fazê-lo descobri uma identidade de vinhos que nunca tinha provado em talha e que me deixou fascinado - sem querer tropecei numa identidade que depois importei para o meu produto.
O processo que este senhor, que entretanto lamentavelmente já faleceu, utilizava, era para mim desconhecido - uma outra forma de usar as talhas e que gera vinhos diferentes. Era um segredo que se ia perder se eu não estivesse focado em avaliar a qualidade das talhas que ia comprar.
Fonte da fotografia: Natus Vini
Que práticas utiliza no dia-a-dia para manter o foco no que é mais importante?
Por um lado, planeamento - planeio tudo o que vou fazer, construo gráficos, faço esquemas, escrevo a cores para mim próprio. Faço planeamentos mensais e anuais, o que é muito importante para mim porque me permite encontrar erros no planeamento e melhorar o ano que aí vem.
Por outro lado, faço registos do que fiz - não tento só olhar para a frente, mas também para o que já aconteceu. Por exemplo, faço um registo da vindima para mim próprio, porque ao fazer o planeamento para o ano seguinte, vou olhar para os pontos fortes e fracos do meu processo. Tudo o que eu faço - uma viagem, uma visita a um produtor, uma participação numa prova - dá origem a um relatório. Assim, quem não foi comigo pode aprender com a minha experiência, e da próxima vez que eu for ao mesmo sítio, vou reler o relatório para planear a ida.
Por exemplo, se faço uma viagem a outro país, no relatório dou algum contexto e depois registo o que eu observei, o que eu fiz, quais as ações, como correram, o que pode ser melhorado para o futuro. Isto implica tomar notas, por isso tenho sempre um caderno comigo, em que escrevo a data, o sítio e três ou quatro palavras que, ao ler mais tarde, me permitam perceber o que quis dizer a mim próprio.
Na sua área, a que gostaria que as pessoas prestassem mais atenção?
Ao mercado. Ouvimos dizer durante anos que temos o melhor vinho do mundo. Mas custa-nos abrir horizontes e ver além do nosso quintal. A maior parte dos produtores não se dá ao trabalho de provar o vinho dos vizinhos, de outra região, de outro país. Gostava que tivessem mais atenção ao que os outros fazem para se poderem situar por comparação. Falta-nos estudar o que está fora da nossa bolha. Sentarmo-nos à mesa com um vinho, mais do que uma vez, a analisá-lo. Ter atenção ao que os outros fazem.
Fonte da fotografia: Natus Vini
Quero expressar publicamente o meu agradecimento ao Hamilton pelas reflexões que esta conversa inspirou e destacar quatro grandes ideias para memória futura:
A atenção não é importante apenas para definir um rumo e persistir face a esse objetivo, mas também para identificar erros pelo caminho.
Estar focado numa determinada da dimensão da realidade pode levar a descobertas inesperadas (que, no caso do Natus, viriam mesmo a moldar o carácter do projeto).
Fazer anotações e revisitar os registos passados é tão relevante para manter o foco como planear o futuro.
A curiosidade pode ser o ponto de partida para evoluir profissionalmente - “Sentarmo-nos à mesa com um vinho, mais do que uma vez, a analisá-lo”.
Esta é a primeira edição de “Histórias de Atenção”, uma série de quatro entrevistas sobre a importância da atenção em contexto de trabalho.
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Gostei muito da parte das notas e relatórios!!