Foi em 2014 que descobri que sou introvertida. Na altura tinha acabado de entrar numa empresa de consultoria e o diagnóstico do perfil de personalidade fazia parte do processo de integração.
Não é que tenha sido uma grande revelação. Aos 28 anos, já sabia qualquer coisa sobre mim própria. A descoberta tornou-me sobretudo mais consciente das minhas preferências pessoais e mais capaz de distinguir as circunstâncias em que me sinto confortável dos contextos em que estou em esforço.
Dez anos mais tarde, dei por mim a escrever um livro. Para quem é introvertido, a escrita pode ser um refúgio, um espaço de expressão protegido dos holofotes. Publicar um livro, por outro lado, requer exposição pública - há que falar sobre ele, promovê-lo, aceitar convites e oportunidades de lhe dar palco.
Nem todos os autores estão disponíveis ou precisam de o fazer. Mas este era um projeto muito importante para mim, pela urgência do tema e pelo que representou em termos de esforço pessoal, pelo que não me fazia sentido publicá-lo e depois não lhe dar voz.
O caminho desde então tem sido de muita aprendizagem e crescimento. Estou certa de que ainda não integrei todas as lições que esta experiência me trouxe mas, à distância de um ano, consigo olhar para trás e identificar algumas decisões que tomei e que me ajudaram a lidar com os desafios de uma introvertida com um livro para promover.
Fotografia: Daniela Sousa.
A sessão de apresentação
O evento de apresentação pública do livro é, potencialmente, o mais gerador de ansiedade para uma pessoa introvertida - não só porque é o momento em que vai dar a conhecer de forma mais alargada um projeto que durante muito tempo viveu apenas na sua cabeça, como também porque é aquele que previsivelmente juntará mais pessoas.
Na preparação desta sessão - que, no meu caso, foram duas - tive a preocupação de escolher locais que conhecia bem e onde me sentia “em casa”. Em Lisboa, fiz a apresentação na FNAC da Avenida de Roma, antiga livraria Barata, que durante muito tempo fazia parte do meu ritual de passeio ao fim-de-semana. Em Coimbra, escolhi a Almedina Estádio, onde estudava regularmente quando estava na faculdade.
Para ambos os eventos, convidei para conduzir a sessão pessoas com quem me sinto absolutamente confortável e à vontade - o Luís Rosário, com quem trabalho há vários anos, e a Laura Santos, minha colega e amiga dos tempos da universidade. Optei por um formato de entrevista, ao invés do formato clássico de apresentação, para que a atenção não incidisse sobre mim o tempo inteiro, e pudéssemos partilhar verdadeiramente o palco e o microfone.
Tive ainda o cuidado de reservar tempo para descansar depois - no próprio dia, não marquei nada além de um jantar em família, e no dia seguinte libertei a agenda de quaisquer compromissos.


Os meus “Mestres de Cerimónias”: Luís Rosário e Laura Santos.
As redes sociais
A uns meses do lançamento do livro, a minha conta de Instagram era privada, tinha menos de 40 publicações, e eu não aparecia em nenhuma delas (a menos que estivesse de costas).
Os meus canais de comunicação online eram a newsletter (onde me expunha pela escrita, o meio mais confortável para mim) e o LinkedIn (onde partilhava sobretudo projetos de outras pessoas ou reflexões pessoais sobre tendências).
No entanto, percebi que, se queria dar a conhecer o livro, teria que expandir o meu alcance. Para o fazer, procurei encontrar um registo que fosse coerente com a minha personalidade: focar-me sobretudo no conhecimento e nas ideias que me parece que podem ser úteis, e não tanto em mim.
Para a campanha de lançamento, produzida em vídeo pela Matters to You Studio, convidei um grupo de amigos a participar, o que me permitiu dar voz a diferentes perspetivas ao mesmo tempo que me mantinha nos bastidores.
A pensar nos momentos em que inevitavelmente precisasse de usar fotografias minhas (desde logo, no próprio livro, mas também em todos os eventos de divulgação), optei por fazer uma sessão fotográfica com a Daniela Sousa. Desta forma, só precisei de passar pela experiência uma vez, pude fazê-lo num ambiente intimista, e fiquei com um conjunto de opções com qualidade profissional com as quais me sinto segura e à vontade.
Fotografia: Daniela Sousa.
As entrevistas
A participação em podcasts ou programas de entrevistas - como a Prova Oral, o podcast Portugal Manual ou o Labour Cast - foi para mim uma descoberta feliz.
O registo um-para-um, num formato de longa duração, parece-me particularmente adequado às preferências de uma pessoa introvertida. As conversas fluem com naturalidade, há espaço para expandir ideias, e cria-se uma proximidade que nos leva para camadas menos superficiais de raciocínio.
Em todos os casos, optei sempre por investir o mais possível na preparação, pedindo conselhos a pessoas mais experientes, ouvindo episódios anteriores e antecipando possíveis perguntas e respostas.
Estreia na rádio com o Fernando Alvim. Uma enorme lição de empatia, como escrevi aqui.
Os workshops
Logo depois do lançamento do livro, comecei a fazer workshops em diferentes contextos e formatos, o que para muitos dos meus amigos foi uma grande surpresa. Há vários anos que trabalho em formação, mas o meu papel costuma ser desempenhado nos bastidores, no desenho e concepção das sessões, dos exercícios e materiais. Sempre que me convidavam para dar formação, a minha resposta era a mesma: obrigada, mas não.
O caso do livro era diferente: eu sentia que tinha uma missão, um compromisso de levar aquelas ideias a quem elas pudessem ser úteis. Como explica o professor Brian Little, especialista em Psicologia da Personalidade, um projeto pessoal relevante pode levar-nos a expandir os limites do que consideraríamos confortável dentro do nosso perfil.
Ainda assim, é evidente que houve um esforço grande de adaptação para conseguir estar à vontade nestas situações. O meu principal foco era a qualidade do conteúdo - tal como no livro, eu queria fazer todos os possíveis para que as ideias que ia transmitir fossem baseadas em evidências sólidas e aplicáveis à realidade.
Além de dedicar tempo à pesquisa e à criação de exercícios, procurei sempre adequar os conteúdos à audiência - fiz sessões com formadores, com mulheres, com pais, mas também workshops em empresas e num espaço de cowork, e por isso parecia-me necessário adaptar os temas e as práticas às diferentes realidades.
Investi também na parte visual das apresentações, pedindo à Catarina Machado para criar um template de apresentação e materiais de apoio que tivessem uma imagem coerente com a mensagem que queria passar.
Por fim, dediquei várias horas à preparação de cada sessão, quer ensaiando o que queria dizer, quer antecipando todos os pormenores técnicos e não técnicos, e até visitando os espaços, sempre que tal foi possível.



Sessões em diferentes formatos, para diferentes audiências.
O grande palco
Quando fui convidada para participar como oradora no QSP Summit, uma conferência anual que receberia mais de 3500 participantes, percebi que era uma oportunidade única que não iria recusar, embora falar num palco tão grande esteja provavelmente no top 3 dos maiores medos de um introvertido.
Durante os meses que tive para me preparar, pedi conselhos a várias pessoas com experiência a fazer palestras e fui estruturando as minhas ideias em torno do que me iam recomendando.
Ao começar a desenhar a minha intervenção, percebi que o treino que tinha feito para as apresentações, podcasts e workshops me seria muito útil: foquei-me em procurar conteúdo sério e que pudesse acrescentar valor a quem me fosse ouvir, investi no design dos slides, vi excertos de edições anteriores, ensaiei várias vezes (cronometrando-me para garantir que cumpria o tempo previsto), viajei no dia anterior para conhecer o espaço, cheguei mais cedo no próprio dia para testar a apresentação, e libertei a agenda do dia seguinte para poder recuperar.
A passagem pelo LAB Stage do QSP Summit.
O balanço
Depois de cada sessão pública de promoção do livro, fiz uma análise detalhada de como correu, o que resultou bem e o que podia ter feito de diferente. Com esse exercício sinto que fui evoluindo e ganhando mais confiança em cada intervenção.
Um ano depois, não posso dizer que esteja absolutamente confortável com a ideia de subir a um palco, mas aprendi a gostar verdadeiramente de cada momento em que o faço. Fiz coisas que não imaginava que conseguiria, e guardo preciosas recordações de cada uma delas.
O mais importante é que o fiz sem sacrificar quem sou: flexibilizei aspetos da minha personalidade em prol de um projeto pessoal relevante, mas fi-lo dentro do meu registo, da minha identidade, tentando manter-me coerente com os meus valores, respeitando-me e às pessoas que foram dedicando o seu tempo e atenção a ouvir-me.
A miúda que tinha medo de falar em público não seria capaz de adivinhar o que estava por vir, mas creio que ficaria orgulhosa.
Que bom que é percebermos que não somos apenas um peixe, mas parte de um cardume no qual existe um peixe que não só aprendeu a nadar, como ainda partilha os seus ensinamentos.
Parabéns! Sou autor de 6 livros e também já fui bastante introvertido. Levei algum tempo para desenvolver habilidades fundamentais para falar em público com mais naturalidade e confiança. Siga em frente e sucesso com o livro. :)