Em setembro de 2024 publiquei o meu primeiro livro. Era um projeto antigo, ou melhor, nem era bem um projeto - era sobretudo um sonho. Escrevi-o ao longo de um ano, em paralelo com o meu trabalho. Exigiu, por isso, alguma capacidade de foco em objetivos de curto, médio e longo prazo.
Felizmente, esse era precisamente o tema do livro - atenção. Investiguei e experimentei diversas técnicas para a proteger, e as que tiveram resultados consistentes integraram o livro sob a forma de práticas recomendadas.
Descrevo em seguida a forma como apliquei cada uma dessas técnicas ao processo de escrita. Ao partilhar a minha experiência, não pretendo afirmar que ela deve servir de modelo para ninguém; esta é apenas a forma como procurei, ao longo de doze meses, proteger a minha atenção para concretizar um propósito que decorreu em simultâneo com muitos outros, pessoais e profissionais, e com todas as fases que fazem parte de um ano na vida de uma pessoa: momentos de alegria, de determinação e de entusiasmo, mas também de perda, de dor, de medo e de dúvida.
Escrevo este texto com a esperança de que possa ser útil a alguém que esteja a começar um projeto semelhante, ou a lidar com desafios como os que vivi. Por conter algum detalhe, é um pouco mais longo do que o habitual, pelo que, tal como o livro, pode ser lido por secções, sem qualquer ordem pré-definida.
Criar barreiras às interrupções
Em 2023 estava a testar a semana de quatro dias, e quando decidi escrever um livro reservei as sextas-feiras para avançar nessa intenção. Isto não significava, no entanto, que os dias fossem integralmente dedicados à escrita, porque numa semana de trabalho mais curta há sempre tarefas administrativas ou pessoais que são relegadas para o final da semana.
Consoante o tempo que tivesse disponível e a fase em que estivesse, bloqueava um período de foco e definia o tipo de atividade mais adequada: escrever, se possível, ou então pesquisar, ler, tirar notas, organizar arquivos, conversar com pessoas.
Antes de começar, dava conta da minha indisponibilidade a quem fosse necessário e colocava o telemóvel em modo “não incomodar”, deixando entrar apenas chamadas. Quando havia gente em casa, fechava a porta do escritório e colocava uma placa com a mensagem “por favor não interromper” na maçaneta. Em dias de maior confusão, saía para escrever em espaços de coworking ou em cafés.
Durante o processo de escrita, era frequente ser interrompida pelos meus próprios pensamentos - tarefas incompletas, preocupações, ideias novas ou temas a investigar. Nestes casos, utilizava a técnica do post-it de John Cleese: apontava tudo o que ia surgindo, para que pudesse libertar a atenção desses temas tão rapidamente quanto possível.
Definir blocos de tarefas
Depois de algum tempo a escrever apenas às sextas-feiras, percebi que o esforço de me reencontrar no texto e na estrutura a cada semana era demasiado exigente.
Comecei por isso a escrever um pouco todos os dias, para manter a sensação de progresso constante. Fui ajustando os períodos de escrita consoante o volume e o ritmo de trabalho que tinha em cada etapa. No período mais produtivo, a minha agenda estava organizada nos seguintes blocos (os horários são meramente ilustrativos):
É claro que nem sempre foi possível manter esta cadência, ou sequer a duração dos blocos. No entanto, ter esta estrutura em mente ajudou-me a fazer adaptações quando o ritmo de trabalho (ou pessoal) se alterava: se tinha menos tempo disponível, reduzia os blocos de escrita para apenas 10 minutos diários ou bidiários, e assim conseguia manter o contacto regular com o projeto.
Trabalhar de forma assíncrona
Na minha atividade profissional, tenho geralmente poucas reuniões, porque configuro o trabalho para o formato assíncrono em colaboração com os meus clientes.
Quando o livro entrou numa fase que envolvia a participação de outras pessoas, privilegiámos também este modelo. À excepção de algumas reuniões de briefing ou de alinhamento, o trabalho decorreu sobretudo à distância e ao ritmo de cada um.
Criámos pastas e documentos partilhados que nos permitiam sistematizar e consultar a informação, acompanhar e comentar a evolução, e manter um registo vivo e atualizado das ações e decisões.
Desta forma, cada pessoa tinha autonomia e flexibilidade para realizar as tarefas nos períodos mais adequados para si e no formato que lhe fosse mais conveniente, sem interrupções e reuniões desnecessárias.
Trabalhar em modo analógico
O tema da atenção em contexto de trabalho sempre me fascinou, e ao longo dos anos fui recolhendo artigos, notícias, práticas e testemunhos relacionados com o assunto. Estas referências vinham não só da Psicologia, mas de outras áreas da ciência e também da vida prática - das empresas, das artes, da cozinha e do humor, por exemplo.
Quando me propus a escrever o livro, tinha por isso um arquivo considerável de informação. Havia então que reunir todo esse material e procurar uma estrutura, um fio condutor entre os diversos fragmentos.
Juntei todas as minhas anotações num único documento, sem qualquer tentativa de organização, e imprimi-o. Li todas as páginas e depois comecei a recortar os pedaços de texto que diziam respeito a assuntos diferentes. Fui agrupando os recortes, fazendo pequenas pilhas por assunto. Quando todos os pedaços de texto estavam organizados, procurei dar um nome ao tema central de cada pilha e escrevi-o num cartão. Esses cartões foram depois colados na parede para fazer um mapa da estrutura do livro.
Cada grupo de recortes foi então arrumado numa bolsa transparente. Quando tinha uma sessão de trabalho pela frente, escolhia uma das bolsas, lia todos os recortes que ela continha, e começava a escrever sobre o tema com base no que tinha lido.
O processo foi provavelmente mais longo do que se tivesse sido feito digitalmente; no entanto, foi também menos linear, mais associativo, mais promotor de conexões inesperadas entre o material e, claro, mais visual. Na escrita, a fricção e a lentidão podem ser extremamente produtivas.
Fazer intervalos
Como terá ficado evidente no esboço de agenda que partilhei acima, o meu dia tem habitualmente três intervalos: um a meio da manhã, um para almoço e outro a meio da tarde. Isto aplica-se ao meu trabalho regular, e aplicou-se também aos dias para escrever.
Além disso, tenho como regra não escrever ao final da tarde e à noite, porque a escrita me deixa com muitas ideias a borbulhar, e isso interfere com a qualidade do meu sono.
No entanto, sobretudo no início do processo de escrita, em que sentia que precisava de ler e estudar muito, tinha alguma tendência a ocupar esses períodos de pausa com leituras relacionadas com o livro. Ao fim de algum tempo comecei a perceber que isso estava a reduzir a quantidade de tempo que tinha para divagar livremente. Foi por esta altura que comecei a pintar e a experimentar outras atividades manuais que me permitissem desconectar totalmente.
Fazer listas
A lista primordial, como em qualquer livro, é o índice. Nunca me tinha ocorrido começar por aí, mas fi-lo por recomendação do Pedro Almeida Maia, e foi das decisões mais importantes que tomei. Tal como o Pedro sugeriu, o índice serviu de guia para o trabalho, permitiu-me detectar lacunas de conhecimento que precisava de colmatar e identificar temas por onde podia começar a avançar mais facilmente.
Além disso, à medida que o trabalho ia avançando, fui fazendo várias outras listas que me ajudavam a manter clareza quanto às tarefas pendentes:
Assuntos a pesquisar
Livros por ler
Aspectos a aprofundar numa próxima sessão de estudo
Parágrafos a melhorar
Capítulos a rever
Palavras interessantes
Temas a abordar
Em mais do que um momento, quando as listas se tornaram demasiado longas ou confusas, fiz mapas mentais para ter uma visão panorâmica dos grandes assuntos e definir prioridades, criando depois uma lista de ações concretas a concretizar.
Parar para pensar
Todas as sextas-feiras, antes de terminar o dia, fazia uma reflexão estruturada sobre a semana, o que me permitia avaliar o progresso e definir objetivos para a semana seguinte.
Além disso, alguns dos meus “dias para escrever” foram dedicados a pensar:
Numa perspectiva macro, sobre a estrutura do livro, a visão que tinha para o projeto, o que queria alcançar.
Numa perspetiva micro, sobre o ponto em que estava, o que já tinha feito e para onde queria ir a seguir.
A determinada altura, quando senti que havia muitos caminhos possíveis, escrevi uma intenção para o livro, algo que aprendi com a artista Debra Frasier e que foi surpreendentemente esclarecedor: não só tornou claro o propósito que tinha, como simplificou várias decisões ao longo do processo.
Escrever regularmente
Além da escrita para o livro, mantive durante este processo alguns cadernos para uma escrita mais livre, seguindo a metodologia das páginas matinais de Julia Cameron, que consiste em escrever três páginas ao início do dia.
Não escrevi diariamente, mas fi-lo sempre que senti necessidade, e ajudou-me não só a resolver alguns problemas de lógica ou argumentação, mas também a lidar com as angústias, dúvidas, receios e ansiedades naturais de quem escreve e se expõe pela escrita. Em alguns dias, serviu “apenas” para desbloquear - ao escrever sem pressão, sobre assuntos banais do dia-a-dia, a certa altura as palavras começavam a fluir e tornava-se mais fácil transitar para a escrita “a sério”.
Respeitar as estações
Quando decidi escrever o livro, estava num período particularmente intenso de trabalho, pelo que defini as tarefas que conseguia avançar de imediato (organizar a pesquisa, escolher alguns livros para começar a ler, marcar conversas com algumas pessoas) e reservei uma semana em março para me organizar e começar a escrever os primeiros capítulos.
Nos meses seguintes, de abril a agosto, sempre que o ritmo voltava a acelerar, tentava perceber que tarefas podia manter, de modo a nunca perder contacto com o livro. Em paralelo, ia tomando nota de todas as ideias que surgiam. Quando antecipava um período mais calmo, bloqueava períodos de foco para explorar essas ideias e avançar na escrita.
Entre setembro e novembro, com o livro já mais próximo de um manuscrito final e o objetivo de terminar até ao final do ano, fiz um calendário para distribuir as tarefas de forma mais estruturada. Em janeiro entreguei o manuscrito para revisão crítica, e o resto é história.
No meu livro explico cada uma destas abordagens em maior detalhe e proponho alguns exercícios para as pôr em prática. Podes saber mais aqui ou entrar em contacto comigo através do email atencao@yellow-pad.com.